sexta-feira, 19 de julho de 2019
Mundo Invertido
É para o mundo invertido que vai a tampa de caneta
O isqueiro emprestado
A conta pendurada
A guimba, a bia
A tua calcinha retirada e perdida no vão do sofá
É para o mundo invertido que vai o sol no arpoador
Depois de solenemente aplaudido
A linha zero dez quando a rota finda
Os amores não vividos
Os beijos esquivados
Todos os "e se" que não permitimos acontecer

quarta-feira, 10 de julho de 2019
Das vantagens e desvantagens para namorar

É vantajoso ter decorado um ou outro verso de Vinícius
Ter a receita adaptada para se viver um grande amor
É desvantagem essa pieguice manifesta em atavismo
E ser tão cafona como quem fecha a rima em dor
É vantajoso saber cozinhar algo e ser bom de prato
Companheiro de cama e mesa
É desvantagem esgotar as possibilidades do camarão
Exaurir as inúmeras variações do espaguete
Abusar do carboidrato e da cerveja
Criar um pouco de barriga e descuidar da pressão
É vantajoso ter apreço pelas gordurinhas
Fazer pouco caso de estrias
Ver charme na anca e suas alcinhas
Entender que a beleza dos corpos
Está na singularidade de cada imperfeição
É desvantagem abdicar do peito de remador
Ver ao largo o vigor juvenil
Ressentir-se da firmeza irretocável
Dos devotados atletas em flor
É vantajoso saber que cada um cumpre a sua sina
Fingir que gosta de friends
Compartilhar a senha do wifi e netfix
Apontar com segurança
O clitóris na cartografia feminina
É desvantagem essa dose de egoísmo
Trazer consigo as incertezas do mundo
A incapacidade de prestar fidúcia
Solidão de filho único
Tendência ao escapismo
É vantajoso estar cônscio do fim certo
Predispor-se a impor intensidade ao momento
Desfrutar a embriaguez do efêmero
Diuturnamente buscar
A eternidade que está no gesto
É desvantagem certo gosto amargo
Como de uma ressaca prolongada
Sede frustrante que não sacia
O desgosto do muito que ficou por pouco
Saber que tudo vira inevitável nostalgia.

O que eles querem
Dylan se desequilibrando da moto
Morrison inerte em sua banheira
Nietzsche em prantos abraçado ao cavalo
Os miolos de Hemingway numa remota fazenda
Barbosa cai um segundo atrasado na bola
Virginia mergulha com pedras no leito de um rio
Vestígios de sangue e de pó
Na fronha de um velho amigo morto
Uma linda garota com a maquiagem borrada
Despeja os excessos da noite
Debruçada na latrina do bar do Cabelo
Um santo deserta ao amanhecer
Um vira-lata uiva de fome
Belchior fecha a conta do hotel
Raul espera na poltrona
A cerveja que esquenta na mão de Hank
Lorca morto na mão de um fascista
Zé Ramalho indo a nocaute outra vez
Vim para tão longe
Trazendo minhas memórias comigo
As levo a passear
As distraio
Compro algodão doce e balão
Espantam-se com o rugir do oceano em Cascais
Flanam em Greenwich Village
Morrem de tédio no Tortoni em Buenos Aires
Deixam-se seduzir por um pederasta em Paris
Quando enfim as ofereço a última dose
E peço a da casa no boteco de Seu Auri
Elas me sussurram o mesmo
O de sempre:
“Você consegue fugir de tudo
menos de si”.
(Homenagem ao “que eles querem” de Bukowski)
Morrison inerte em sua banheira
Nietzsche em prantos abraçado ao cavalo
Os miolos de Hemingway numa remota fazenda
Barbosa cai um segundo atrasado na bola
Virginia mergulha com pedras no leito de um rio
Vestígios de sangue e de pó
Na fronha de um velho amigo morto
Uma linda garota com a maquiagem borrada
Despeja os excessos da noite
Debruçada na latrina do bar do Cabelo
Um santo deserta ao amanhecer
Um vira-lata uiva de fome
Belchior fecha a conta do hotel
Raul espera na poltrona
A cerveja que esquenta na mão de Hank
Lorca morto na mão de um fascista
Zé Ramalho indo a nocaute outra vez
Vim para tão longe
Trazendo minhas memórias comigo
As levo a passear
As distraio
Compro algodão doce e balão
Espantam-se com o rugir do oceano em Cascais
Flanam em Greenwich Village
Morrem de tédio no Tortoni em Buenos Aires
Deixam-se seduzir por um pederasta em Paris
Quando enfim as ofereço a última dose
E peço a da casa no boteco de Seu Auri
Elas me sussurram o mesmo
O de sempre:
“Você consegue fugir de tudo
menos de si”.
(Homenagem ao “que eles querem” de Bukowski)

A mais bela das árvores

Há nas costas de uma bela garota a mais bela das árvores grafada,
A imponente copa emergindo do tronco não produz sombra,
Tampouco de lá se apresentam razões frutíferas,
Mas ao pesquisador atento é ofertado o singelo serpenteio de passos hesitantes,
O florescimento de augustos sorrisos,
Delicadamente acoplados em umbrais vicejantes;
Há nas costas de uma bela garota a mais bela das árvores grafada,
Impassível de catalogação,
Recusou para si nome científico,
E não atende pelo nome popular,
Embora na densa flora das multidões se eleva,
Embebido em orvalho transpirado,
O mais sedutor e embriagante tom de canela;
Há nas costas de uma bela garota a mais bela das árvores grafada,
Inacessível ao suplício de Serras,
Indiferente aos anseios de Machados,
Recolhe-se para tombar em inauditos lençóis,
Soerguendo-se seja na aurora das manhãs,
Ou no poente, a desdita de todos os sóis;
Há nas costas de uma bela garota a mais bela das árvores grafada,
Exultantes meus olhos margeiam,
A única árvore sem outono,
Sobrevivente das estações femininas,
Habitante de um latifúndio sem dono.

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