terça-feira, 27 de novembro de 2018
Crônica do Retorno: A Síndrome do Amor Pré-Carnaval
Não sei se foi Graciliano Ramos ou meu lanterneiro que disse que a única certeza do homem na vida é a morte e a única certeza do brasileiro é o carnaval no ano seguinte. Novembro finda, logo mais é dezembro e o ano que vem... virá. Nessa altura do campeonato nossos concidadãos solteiros se dividem em duas facções mais distantes e irreconciliáveis entre si que bolsominions e petralhas, torcedores do icasa e do guarani: aqueles que desesperadamente esperam passar os festejos natalícios na casa da futura sogra e os que estão se guardando para quando o carnaval chegar.
Para uns é correr contra o tempo, contra o prejuízo. Mais aflito que cruzmaltino na eterna luta inglória contra o rebaixamento, em poucas rodadas é preciso realizar o que não foi capaz de fazer o ano inteiro. Menos de um mês para o famigerado date de approach (o jantarzinho no lugar legal), o segundo pra criar química e descontrair (o barzinho camarada), o terceiro pra finalmente transar (caso não tenha ocorrido ainda), o quarto pra começar a esquecer calcinha e outros objetos íntimos, o sexto pra escovar os dentes de porta aberta (cagar só depois de um ano), para finalmente vir o sétimo pra conhecer a família e carimbar o acesso na festa de natal mais cobiçada que a vaga na libertadores em reta final de brasileirão. Dependendo da gana é possível suprimir as etapas, cumprir os seis primeiros passos em um só, esquecer essa história de dois volantes, coisa mais carola-conservadora, jogar sem medo, jogar como Brasil.
Por sua vez, para os solteiros por convicção e fé o tempo não passa, chega a quaresma e o carnaval não chega. Maneira daqui, troca o salame pela alface acolá, projeto verão firme e forte, se olha no espelho, dá tempo de perder uns três quilos, abdominais depois da cervejada do dia anterior, não sabe o que dói mais: o crossfit ou a ressaca. O crossfit de ressaca, decerto.
Na vida é tudo uma questão de “time”, não o clube, aquele que é tido como senhor de tudo, em inglês mesmo, soa mais capitalista, mais pragmático que nosso “tempo” lusitano evocador de versos de Pessoa e canções de Nana Caymmi. Enquanto eu bebo um pouquinho pra ter argumento, penso no maior dos perigos aos que já planejam e anseiam o total desregramento dos sentidos nas festas momescas: a síndrome da paixão pré-carnaval. Ainda não catalogada, sem CID, terapia ou tratamento, a síndrome da paixão pré-carnaval afeta milhões de incautos promovendo inúmeras baixas nas fileiras de foliões todos os anos. Recorrente em meados de novembro, atinge seu ápice de contágio nos idos de dezembro e janeiro, apesar de haver registros de casos na quinta de esquenta carnavalesco.
Doença insidiosa, a paixão pré-carnavalesca começa sutil, assintomática. Começa quando se acorda pensando na morena ou no boy da noite anterior. Aquelas cinco curtidas seguidas em fotos antigas do instagram, os três amei nas postagens do facebook, a primeira retweetada a gente não esquece, depois vem a playlist compartilhada do spotify, a chamada sem querer no whatsapp quando vamos futricar a foto da pessoa pela quinta vez ainda pela manhã: - Me ligou? - Liguei sem querer, perdão.
Daí é um caminho sem volta, a agenda do final de semana organizada de acordo com os eventos que o-a @ marcou interesse, as primeiras músicas que irão compor a trilha sonora da nova paixão, a análise filmográfica: os filmes que você viu e o outro não, os que o outro viu e você não, os que ambos não viram, os que ambos viram e agora verão juntos. O resto é ladeira abaixo, trocam o número dos seus terapeutas, aproxima minha ansiedade da tua depressão, aconchega teu toc na minha bipolaridade. Passagens para Olinda canceladas na CVC, ainda tem a terceira parcela do abadá do bloco em Salvador por pagar, ou isso, ou acrescenta no pacote e vamos juntos, leva sanduíche pra banquete patrão, já está apaixonado(a). Soldado e guerreira abatidos. Quando o amor acontece é assim, e você que jurava mudar de calçada quando aparecesse uma flor e dava risada do grande amor: mentira.

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