sexta-feira, 5 de março de 2010

A Mulher Mandioca do Martinho da Vila

Depois de inúmeros pedidos, seguiremos analisando o vasto cancioneiro popular, em busca de pérolas semânticas ocultas na concha de letras aparentemente banais.

A escolhida da semana é a canção de Martinho da Vila "Mulheres" inúmeras vezes usada como declaração de amor por homens em comemoração de bodas ao fito de homenagear suas patroas.



Já tive mulheres
De todas as cores
De várias idades
De muitos amores
Com umas até
Certo tempo fiquei
Prá outras apenas
Um pouco me dei...


Logo na primeira estrofe o eu-lírico demonstra ser experimentado nas vivências do amor. Sem preconceito de raça, idade, passou o rodo geral. É o fudedor. Revela a alternância e a variabilidade das experiências.

Já tive mulheres
Do tipo atrevida
Do tipo acanhada
Do tipo vivida
Casada carente
Solteira feliz
Já tive donzela
E até meretriz...


Na segunda estrofe ele inclui as mulheres em tipos e revela ter se envolvido em um caso de adultério. Deflorou virgens e foi cafetão (afinal só quem tem de fato meretriz, mulher da vida, mulher de vida fácil, rarapiga, puta, quenga, prostituta, rameira e fuamba é cafetão)

Mulheres cabeça
E desequilibradas
Mulheres confusas
De guerra e de paz
Mas nenhuma delas
Me fez tão feliz
Como você me faz...


Na terceira estrofe uma referência ao Clássico da literatura russa "Guerra e Paz" de Tolstoi. Revela o envolvimento com mulheres intelectualizas, mas/ e também temperamentais. Todavia, nenhuma das mulheres trouxe a felicidade ao insatisfeito eu-lírico, nenhuma tinha o que a musa do eu-lírico tem, ou seja, ele estava procurando o caroço na fruta errada.

Procurei
Em todas as mulheres
A felicidade
Mas eu não encontrei
E fiquei na saudade
Foi começando bem
Mas tudo teve um fim...


Notem bem, o eu-lírico declara que procurou em TODAS as mulheres a felicidade, começava bem, mas acabava mal, denota-se uma insatisfação contínua, um vazio que não se preenche, algo que falta em todas as mulheres...

Você é
O sol da minha vida
A minha vontade
Você não é mentira
Você é verdade
É tudo o que um dia
Eu sonhei prá mim...



Eis a declaração, a afirmação do orgulho gay, vejam a expressão "sol da minha vida", o sol em inúmeros culturas é tido como deus, com caracteristicas essencialmente masculinas, desde sempre o sol é associado à fertilidade, quem é o sol? quem tem o dom de procriar! como na antiguidade a idéia de fertilidade era atrelada somente ao homem, a mulher seria apenas um invólucro do semen, a terra onde a semente germina, vemos o eu-lirico assumindo a descoberta da felicidade saindo do armário.

Mais adiante, a revelação, o encontro do amor se deu com um traveco. "Você não é mentira, você é verdade" declara a afirmação do simulacro de mulher que constitui o traveco. Quanto ao simulacro vide jean Baudrillard. Vale a lição de Eclesiastes: o simulacro não é a simulação da realidade, não finge ser o que não é, é na verdade outra coisa, que o diga Ronaldo.

Interessante considerar que Martinho da Vila foi militar (condição propícia para tal descoberta), sambista conceituado, e sem sombra de dúvidas escreveu a declaração de amor que mulher nenhuma recebeu, pois não tem o que ele gosta.

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